quinta-feira, 12 de setembro de 2013

O pombo da paz


Há tempos nasceu um pombo na varanda da casa à qual chamo escritório para dar um ar profissional à coisa pois de facto é a casa da minha mãe. Talvez tivesse que ser assim, talvez a pomba que lá foi colocar o ovo tenha reparado na minha mãe e no tempo que dedica às plantas que tem na varanda. A idade é um processo dinâmico, resultado do acumular de experiências e conhecimento, e a minha mãe é de facto uma pessoa com experiência, e a pomba que não obstante aparentar ser um animal extremamente estúpido, revelou uma inteligência extraordinária ou, num pensamento darwinista, uma estratégia baseada num instinto básico de sobrevivência para perpetuar a espécie. A transformação ocorreu e do ovo nasceu e cresceu um pássaro que já voa e é independente. Nunca saberemos que forças extraordinárias estão por trás desta sucessão de acontecimentos, mas como eu que já tenho dois filhos, aquela pomba também já poderia morrer em paz, digamos, cumprindo a função da perpetuação da vida e no entanto não morrendo como o salmão por exemplo, cria relações afectivas com o que lha saiu do ânus. É o que é, que eu por mais que olhe só lá vejo um buraquinho, nem sabendo tão pouco se aquilo é macho ou fêmea.

As abelhas também são curiosas, e as formigas. São seres vivos que também se organizam em sociedade enormes como nós. Se juntássemos as formigas por exemplo têm sete vezes mais massa do que nós humanos. Já cá andavam há milhões de anos antes, se calhar as abelhas idem aspas, e nós é isto – uma loucura! Pessoalmente ando dividido entre o terror absoluto do fim do mundo e esta extraordinária evolução que a sociedade humana está a viver nestes últimos mil anos. Não deixa de ser curioso que por causa de um tipo chamado Jesus se possa dizer que “nasci no milénio passado”, só daqui a mil anos se poderá dizer o mesmo. Já se fosse pelo calendário chinês a coisa seria diferente, o que para as formigas e as abelhas tanto se lhes dá. Ora, há tempos, recebi determinadas informações que colocadas sobre a secretária me dizem o seguinte, as calotes polares estão a derreter a um ritmo violento, não obstante a revolução que a sociedade como um todo está a sofrer, gastam-se fortunas a enviar jeeps não tripulados para Marte. Afinal não há homens verdes mas parece que há água, por outro lado não disseram mas de certeza que levaram umas sementes e uma garrafinha de água, seria idiota não o fazer, mas parece que é segredo, enfim…


No meio disto tudo e do que mais há de vir, estou novamente a ser confrontado com a morte – essa coisa extraordinária, essa impossibilidade de contar como foi, ou de imaginar como será. Mais uma vez a minha curiosidade é posta à prova, sabendo à partida que nunca saberei a resposta vou, enquanto vivo, experimentando todas as sensações e emoções que a vida me dá com a maior consciência possível. É possível que a morte seja uma simples libertação do corpo, afinal de contas a larva morre para dar lugar à borboleta e convínhamos que se ela souber não acredita tal é o disparate. Sabe-se lá se nos transformamos em algo tão diferente que nem conseguimos ver, nem sequer imaginar.

De tanto nos preocuparmos “com a galinha da vizinha” esquece-mo-nos do essencial – estamos vivos! É uma miséria viver a vida toda com medo, a vida toda com receio. Se só se vive uma vez na condição de ser-humano o melhor é viver com dignidade todos os dias e um dia de cada vez, e claro - sem medo. Somos uma forma de vida extraordinária com uma capacidade de adaptação enorme e decerto, haja o que houver, cá estaremos seja lá para o que for. Sempre foi assim e sempre será. Eventualmente tudo seria bem mais fácil se não tivéssemos uma particularidade não mensurável pelas leis do universo – a inveja. Que é exactamente isso que as formigas e as abelhas não têm mas que eu tenho quando vejo o idiota do animal que agora em vez de voar e se ir embora não sai da varanda e arremessa-se contra o vidro na esperança vã de entrar. Vá-se lá entender mas por qualquer razão o pombo prefere o conforto do lar à liberdade de voar. Se calhar a fonte de energia é mais apelativa que a forma de a gastar.

Dá Deus nozes a quem não tem dentes. No caso é milho e o pombo não tem dentes que eu já fui ver.

Beijinhos.

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